sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Gonzaga: de pai para filho, o filme

Gonzaguinha canta "Um bilhete pro seu Lua", endereçada a seu pai 

Breno Silveira está de parabéns pelo seu excelente filme "Gonzaga, de pai para filho". Confesso que relutei um pouco para assistir, porque um pedaço só que vi de "Os filhos de Francisco", achei o enredo de má qualidade, muito piegas, sem nada que pudesse  me agradar. Minha opinião certamente bate de frente com a de centenas ou até milhares de admiradores do filme sobre Zezé e Luciano. Mas minha colocação talvez seja por eu não ser amante da música dos tais filhos de Francisco.
Com relação a "Gonzaga..." o que se vê é uma história de dois grandes artistas, pai e filho, um deles, Luiz Gonzaga, produto do sofrimento do sertão nordestino, nascido em 1912 e adolescente em plenas décadas de 20 e 30, onde o herói era valente Lampião.
Sertão onde o coronel sem farda comandava, e os súditos, os matutos humildes, obedeciam.
O outro, Gonzaguinha, nascido no Rio, criado no Morro de São Carlos, formado em Economia, mas com as firmes raízes musicais do velho Lua, inclusive herdando a sensibilidade para compor, tocar e cantar.
Breno foi feliz na escolha do roteiro, pois Patrícia Andrade inicia a saga dos Gonzagas com uma entrevista atribuída a Gonzaguinha com o paí, em pleno sertão pernambucano, mais ou menos no início dos anos 80. Entremeando à fala do velho sanfoneiro, o filho rebelde, apaixonado pelo pai mas carente de amor paterno, deslancha em questionamentos e até humilhações, chegando ao ápice do velho Lua se irritar e os dois chegarem quase às vias de fato.
Gonzaguinha cantando com seu pai, Luiz Gonzaga
Gonzaga, então, a partir de uma parada estratégica e romântica embaixo de um pé de juazeiro onde havia escrito as iniciais sua e de uma adolescente que se apaixonara na juventude, deslancha  numa narrativa ilustrada e cheia de aventuras de um verdadeiro caipira que fugiu de sua casa nas brenhas do sertão pernambucano para vencer no sul maravilha, a partir de uma surra que levara da mãe, dona Santana. Conta da parada em Fortaleza, onde serviu o Exército, da visita saudosa do pai Januário à capital cearense, a promessa ao velho de que jamais mataria alguém, a baixa do Exército e o início do sofrimento como artista no Rio de Janeiro.
Na sequência da narrativa do velho Lua a Gonzaguinha o filme faz um desenho emocionante da vida do velho Lua, principalmente porque mostra a realidade que persiste até os dias de hoje: para um nortista vencer no sul tem que ser bom. Pra lá de bom! E Gonzaga venceu.
Gongado várias vezes no programa de auditório de Ary Barroso, na Rádio Nacional,  o compositor, cantor e sanfoneiro só conseguiu emplacar quando ouviu falar de um tal Humberto Teixeira, um advogado e compositor cearense que escrevia muito bem. Só que Gonzaga sofreu para conseguir convencer Dr.  Humberto Teixeira de que sua música era novidade, de que poderia ser o algo novo da música brasileira, como foi a partir dos anos 40.
Mostrou motes de letras e canções e despertou o genial Humberto Teixeira. A união dos dois de imediato gerou o que há de mais perfeito na historia da música nordestina. Os shows apareceram, os discos venderam milhares e o nome do caboclo pernambucano estourou e perdurou por mais de 50 anos nas emissoras de radio e televisão de todo o país.
Enquanto a entrevista (e a briga) entre os dois se desenrolava, o filme apresentava o início da relação de Luiz Gonzaga com a mãe de Gonzaguinha, uma dançarina que, o filme deixa claro, foi a segunda grande paixão de Lua. A relação entre o casal, bastante conflituosa, o nascimento de Gonzaguinha e a morte de Odiléia, aos 22 anos, vítima da tuberculose é o pontapé real da odisséia de Gonzaga, pois sem mulher, com a família distante e com uma criança para criar, se sente em apuros, praticamente perdido.
Apoiado pelo amigo violonista Xavier e sua esposa Dina, padrinhos e verdadeiros pais para Gonzaguinha, Gonzagão ganhou o mundo, casou com sua secretaria e fã, Helena, daí o filho, como questiona em quase todo o filme,  passou para um plano secundário.
Foi daí que iniciou a revolta de Gonzaguinha com o pai. Na demorada conversa deles, a roupa suja foi lavada, as incertezas passadas a limpo, de um e de outro, como o sofrimento do velho Lua, sua pureza e esforço para ter uma família digna. Também foi mostrada toda a rebeldia de Gonzaguinha, a partir da adolescência no Morro de São Carlos com a madrinha-mãe Dina. Suas dúvidas, seu sentimento socialista até sua ascensão como grande artista popular.
O filme é emocionante e até as atuações dos amadores Chambinho do Acordeon como Luiz Gonzaga entre 30 e 50 anos, e Júlio Andrade, que faz Gonzaguinha adulto, surpreendem pelo sentimento e alma que eles dão aos personagens.
Ao final do filme, a emoção o rancor entre os dois desaparece, dando lugar ao perdão, ao amor, ao carinho natural entre pai e filho. O respeito e o carinho do artista genial mas politicamente conservador Luiz Gonzaga ao trabalho do rebelde comunista e intelectual Gonzaguinha, foi superior ao ódio.
Breno Silveira deu um grande presente aos brasileiros com o filme, porque resgata a história de dois monstros sagrados de nossa MPB, que infelizmente foram embora. Primeiro Gonzagão, em Agosto de 1989. Menos de dois aos depois Gonzaguinha, em Abril de 1991.
Este escriba entrevistou Gonzaguinha no Novotel, num show que ele veio em prol do Movimento Popular em Belém, há mais ou menos 23 anos. Simpático, magérrimo, Gonzaguinha, na época, já um apaixonado pelo pai, o artista me presenteou com um LP autografado.  Respondeu, na oportunidade, a uma pergunta que lhe fiz sobre música, dizendo: "o maior artista brasileiro e do mundo é meu pai, Luiz Gonzaga". Podem ter certeza, não somente para ele, para este escriba também!

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