sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Lupicínio: dor de cotovelo e felicidade


Ontem à noite, ouví uma canção que me fez viajar e lembrar muito de um irmão meu,  Ezequiel, residente em Brasília, que nós aprendemos a chamar carinhosamente de "Profeta". Ezequiel ou Profeta, é um cara boa gente e às vezes engraçado pelas suas manias. Simpático, calmo, adora um papo, principalmente se for acompanhado de cerveja. Lembro que quando nos reuníamos para papear, muitas vezes com um som mecânico ou um dos "muitos curiosos" de violão, quando alguém queria uma música, tipo um samba do João Nogueira ou do Paulinho da Viola, ele atacava de "Felicidade", de mestre Lupicínio Rodrigues. Lembrei do Profeta porque ouví, ontem, a belíssima "Cadeira Vazia", também de Lupicínio, na voz eterna de Elza Soares.
Lupicínio Rodrigues  era gaúcho de Porto Alegre. Nasceu em um bairro pobre da cidade, em 1914. Como era natural na época, seus pais tiveram 21 filhos. Lupicínio foi o quarto.
Desde cedo sentiu inclinação para a música. Aos 14 anos compôs sua primeira canção: "Carnaval", para um cordão do bairro.
Lupi, como era chamado pelos amigos, sofreu influência de importantes artistas da época, como o cantor Mário Reis e o compositor e cantor Noel Rosa, que ele chegou a conhecer em 1932.
Em 1935, aos 21 anos, Lupicínio Rodrigues, que havia entrado no Exército, deu baixa e continuou sua vida de boêmio em Porto Alegre. Nesse período, venceu um concurso musical da prefeitura, em comemoração ao centenário da Revolução Farroupilha. A canção foi  "Triste história", uma parceria com Alcides Gonçalves, gravada em 1936.
O início do sucesso veio em 1938, com "Se acaso você chegasse", até hoje um de seus maiores sucessos, e que revelou também a voz do grande cantor Ciro Monteiro, que tinha a mania de cantar batendo numa caixa de fósforo. O samba estabeleceu a parceria com o compositor e pianista Felisberto Martins. Como ele morava no Rio e trabalhava na gravadora Odeon,  Lupicínio Rodrigues o incumbiu de divulgar músicas  em troca de parceria. Esse tipo de negócio era comum antigamente.
Apaixonado por sua terra, Lupicínio jamais deixou Porto Alegre, cidade que ele viveu, curtiu e amou por toda a vida. Somente por algumas ocasiões, como em 1939, passou uma temporada no Rio. Cantou, então, para Francisco Alves, que gostou e passou a gravá-lo, tornando-se um dos seus principais intérpretes. Chamado de Rei da Voz, Chico Viola transformou em sucessos canções como "Nervos de aço",  "Esses moços", "Quem há de dizer"  e "Cadeira vazia".
Outro grande intérprete da época, Orlando Silva, o cantor apelidado de  "Nº 1",  também gravou Lupicínio e fez sucesso com as músicas "Brasa" e "Zé Ponte". Nesse mesmo período, Lupi obteve projeção nacional com "Felicidade", gravada pelo conjunto "Quitandinha Serenaders".
No início da década de 1950 Lupicínio já era um nome famosos nacionalmente. A cantora Linda Batista, 1951, estourou com o samba-canção "Vingança", um dos maiores sucessos do compositor. 
Apaixonado por futebol, Lupicinio era torcedor fanático do Grêmio. Em 1959, compôs o hino oficial foi premiado ganhando o direito de compor o hino oficial da equipe gaúcha. 
Depois de Linda Batista, o outro maior intérprete de Lupicínio foi o cantor Jamelão, que durante décadas foi puxador de samba da Mangueira. Jamelão estreou com a canção "Ela disse-me assim", grande com sucesso, o que o fez gravar uma série de canções das músicas de Lupi.
Outra que imortalizou, com sua voz , a música de Lupicínio foi a carioca Elza Soares. Em pleno período da relação com o jogador Mané Garrincha, Elza regravou "Se Acaso Você Chegasse" e  transformou a música em um sucesso novamente.
Lupicínio Rodrigues, mesmo sendo considerado um dos cantores e compositores da antiga, pois seu período de sucesso foi dos anos 40 aos 60, nunca foi esquecido pelos grandes intérpretes brasileiros. Além de Jamelão, que quando fazia seus shows reverenciava o artista gaúcho, de tempos em tempos, contudo, Lupicínio Rodrigues é gravado ou homenageado.
Nas décadas de 70 e 80 artistas como Paulinho da Viola ("Nervos de aço"); Caetano Veloso ("Felicidade"; Zizi Possi ("Nunca"); Maria Betânia ("Loucura"), além de artistas mais novos como Arnaldo Antunes e Adriana Calcanhoto, que em seus shows cantam Lupicínio. 
Lupicínio é considerado um dos compositores mais originais da música popular brasileira. Criador da música  "dor-de-cotovelo", Lupi sempre é sinônimo de uma história de amor, que deu certo ou não. A expressão, graças à sua música, passou a designar um estilo de canção que trata das desventuras amorosas.
Ao contrário do que possam julgar alguns críticos, as músicas de Lupicínio,  "mesmo que falem de temas banais, na verdade não são banais", como escreveu o poeta Augusto de Campos sobre o compositor gaúcho. Como compositor, Lupicínio expressou um grande sentimento poético nos temas mais comuns de nosso dia a dia, mas com a sutileza e a perspicácia pouco vistas no âmbito da história da MPB.
Aprendi a gostar de Lupicínio ouvindo Paulinho da Viola, Caetano, Elza Soares e Maria Betânia cantando seus sucessos. Depois, ouví um disco inteiro de Lupicínio, inclusive ele cantando a belíssima "Esses moços", onde interpreta com precisão e contundência versos que tudo indica são autobiogáficos.
Homenageado meu mano e os amantes da boa música (inclusive a dor de cotovelo), Caetano Veloso interpreta o clássico "Felicidade", a preferida do Ezequeiel (e minha, também). Detalhe desta gravação: O gitarra portuguesa solitária por trás da interpretação de Caetano, solando a linda "Luar do Sertão", do maranhense Catulo da Paixão Cearense. É de presente do Blog, nesta sexta sem chuva.

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